A estrutura verde e metálica da ponte sempre a fascinaram, quase todos os dias caminhava pela passagem para peões junto à amurada até chegar a meio, de onde olhava o rio.
Mas este dia tinha algo de diferente, de definitivo.
Descansou os cotovelos nos apoios da ponte e olhou novamente o rio, não conseguiu evitar uma gargalhada sem razão aparente.
Retirou o maço de tabaco amarfalhado do bolso, com o último cigarro quase dobrado, jogou a embalagem já vazia ao rio e prendeu o cigarro entre os lábios rosados enquanto procurava o isqueiro.
Acendeu o cigarro e tragou profundamente fechando os olhos, só os abriu para ver o fumo a dançar à sua frente, os olhos verdes brilharam de satisfação... Seria?
Tragou de novo, o alcatrão a queimar-lhe a garganta como a dor que a queimava à tanto tempo como o vício, a nicotina anestesiava-lhe o sofrimento de certa forma, nunca totalmente. Nem lá perto.
Um novo sorriso rasgou-lhe a face sem aviso, sem sanidade, sem sentido algum.
O cigarro quase a chegar ao fim, quase a queimar a marca, cada vez mais perto da sua resolução.
Prendeu o cigarro entre o indicador e o dedo do meio depois de uma última tragada, já pouco mais que o filtro, e purrou a barra de segurança, durante instantes segurou-se com a mão livre.
Largou a barra e deixou-se cair, o cigarro fugiu-lhe dos dedos mas ela nem deu por isso, a sua mente já estava bem longe, nem ela a conseguiria voltar a alcançar. Mas era esse o objectivo.
E Ela já não era mais ela, era o rio, era água, era nada, só escuridão.
O Cigarro caiu depois, flutuou um pouco como que gritando que ela estivera ali, que ninguém lutara por ela, que ninguém reparara nela nem queria saber dela.
O Cigarro era uma acusação. A Culpa. Toda a Raiva acumulada.
Patrícia Guerreiro
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